nome:
Armando Domingos, Maria Barreiros, Maria das Dores, Maria Glória
ano nascimento:
 
freguesia: Riba de Mouro
concelho:
Monção                              
distrito:
Viana do Castelo
data de recolha: 2022
 
 
 

Inventário PCI

Medos e acompanhamentos

Vários relatos sobre os Medos e Acompanhamentos

Casos reais do quotidiano rural expressando crenças (procissões de almas; presságios de morte; almas penadas)

Transcrição

Quando a gente saísse com o carro e as vacas se comportassem mal, dizia-se: «Andam aí os diabos soltos!». Quando saía com o carro e às vezes as vacas [não queriam]. As vacas às vezes eram mansinhas iam direitas, mas tinha dias que não, que elas rebentavam com tudo.

Quando nós às vezes vínhamos, eu, o Zé, meu sogro, ali pelo censo abaixo que até o carro se punha de pé e as vacas estavam mansinhas e não queriam. Era para baixo e as vacas em lugar de irem lá para baixo parece que se punham de pé. O meu sogro tirava a fralda da camisa e untou-as assim com a fralda da camisa. Não sei que lhes fez, uma cruz com a fralda da camisa e depois já viemos bem.

Esta história passou-se comigo, devia ter talvez 9, 10 anos. Vínhamos, eu e a minha mão com um carro ali na pegada. E vinham bem, os tourinhos. Dois bois já com 2, 3 anos. E eu vinha adiante e a minha mãe vinha atrás. A minha mãe ficara atrás por qualquer coisa. Um assustou-se, deu assim a volta por aquele Monte da Pegada abaixo e um morreu logo ali na hora. Ficou debaixo do carro. Ainda lhe cortamos o coiso, mas ficou logo ali. Eu apanhei medo. Ainda hoje tenho medo.

Íamos com dois carros. Um com umas tourinhas novas que tínhamos - foi quando casei, há 37 anos. Criámos duas tourinhas. Eu levava as vacas (...) que essas vinham sozinhas até. Eu levava então o carro das vacas (...) e o Zé levava as touras, que andava-as a amansar, que eram umas tourinhas novas. Chegámos lá à beira da descida, que a descida é muito a pique e diz-me ele: «Segura aqui o carro das vacas para eu pôr uma tranca na roda.», para elas comerem. As vacas estavam a lanchar, metíamos na roda um pau daqui ali, que a descida é a pique, (...) para ir de arrasto. Só que as touras, foi lá à frente (embelam?), mas ao vê-lo tomavam medo, que ele, claro, amansava-as. Batia-lhes e sabe Deus o que lhes fazia, porque ele tinha que as amansar. Eu, ao me pôr na frente das vacas, ele ia a passar para trás meter o pau, fomos eu e o carro e as vacas tudo por aí abaixo até lá ao fundo. Amélia da Touça botou as mãos à cabeça e só disse assim: «A moça matou-se!». Ficou os (teus?) pais atrás, o carro, nós fomos quase tudo ria abaixo. O Zé saltou os valados, foi os apanhar abaixo. Se o meu Zé não saltasse os valados e não me [apanhasse] ia para (...?). E foi também com medo.

Mas no meu caso também podia se dizer que foi um acompanhamento a passar. (...) Um acompanhamento que alguém ia morrer. Um tipo de um funeral que passava antes de [morrer]. Diz-se um acompanhamento. Explique-lhe essa do acompanhamento.

Passou-se comigo essa. Tínhamos 3 vacas e íamos com elas para o campo da minha cunhada Sameiro. Eu ia com as vacas. (...) As vacas à minha frente. Uma presa e as outras atrás, lá íamos. 

Diz a minha tia Ana de Medelos: «Moça, arruma-te. Arruma-te depressa. Solta a vaca e arruma-te.». Assim. 

[Digo:] «Tia Ana, que foi?». 

[Diz:] «Solta a vaca e arruma-te.». 

Eu nisto pus-me assim de lado, soltei as vacas. As vacas [foram] aí acima. 

E ela diz-me: «Deixa-te estar aí quieta.». Nisto passou. 

Diz-me ela: «Pronto, agora já podes ir.». 

[Digo:] «Que foi Tia Ana?» 

[Diz-me:] «Foi um acompanhamento que passou aqui. Vai morrer alguém.». 

Dali a 3 dias morreu uma pessoa e passou ali mesmo, na mesma hora. E as vacas, passou aquilo, ficaram calmas outra vez.

Na nossa casa, estávamos todos na casa. Os filhos, o pai e eu, à noite, já tínhamos comido. E uma galinha a cantar na cozinha. E diz assim o pai à Sameira: «Tu não meteste as galinhas todas? Anda aí uma!». Todos a procurar a galinha.

Dizia ela, até falava mal: «Eu meti as galinhas todas! Não deixei nenhuma fora.».

«A galinha anda aí, escuta.».

E a galinha [cacarejava]. E ver a galinha? Foram ver a corte onde estavam - estavam todas. E para o outro dia morreu uma senhora desta casa. E na hora de sair o funeral, uma galinha - mas aquela era verdadeira - foi lá a casa. (...) Essa foi comigo, foi verdade".

Era solteira, eu morava aqui também, e para o outro dia à mesma hora do funeral que morreu a Tia Dália, a galinha estava lá. Eu estava no funeral, mas [fui] a casa. E a galinha [estava lá].

 

A minha irmã Quinas, estávamos sentadas à porta da casa da minha mãe de onde nos sentávamos dantes, todos ali. Quando a minha irmã era viva sentava-se muito encostada à parede da casa de minha mãe. 

E diz assim minha irmã Quinas, ninguém viu: «Olhai Maifina acolá no meu quarto, com o xaile.». Assim todas. 

E digo-lhe assim, eu era nova: «Minha madrinha, você que diz? Onde está a Maifina?» 

[Diz ela:] «Está. Olha acolá a moça a passar com o xaile.». 

Fomos ver, não havia Maifina nenhuma. E dali a três dias morreu a Maifina também. Ela depois morreu na nossa casa. Eu não vi. Nós estávamos ali 3 ou 4, só a minha irmã é que viu.

Isso é que era o Acompanhamento...

A minha mãe via muito. [...] mas nem toda a gente via!

Eu que não veja, porque se não morro eu antes do que ia morrer.

Eu também, nunca vi."

(...)

Contava a minha sogra, quando casou o (Maneço?), o irmão dela, ele casou na Granja. Depois diz que foram de noite, de madrugada, para a boda. Eram irmãos. Ela diz que levava um sapato à cabeça com as coisas que precisava e iam para a Granja, para ele casar. E ao tirar a (...?) de ouro, diz que ouviram uma banda de música. Ela diz que ouviu uma música, uma banda. 

Que lhe diz ela assim: «Estás a ver, Maneço? Querias vir cedo, ainda vai aí a música para uma festa».

E que lhe diz ele: «Anda para dentro, anda já.». 

E que depois mais tarde diz: «Olha, não era nada para uma festa. Eu tenho ouvido ali muitas vezes.»."

E olhe, eu vou para a Coutela de perto e bem que me ponho a ouvir a ver se ouço [e nada]"

Era meio-dia em ponto. Nós na Coutada a carregar mato, mais o meu marido e a minha sogra.

Ó Rosa, mas ao meio-dia já podia andar a música.

Ali a soadeira... de maneira que nós parámos e então a banda de música a tocar uma grande peça, ali certinha.

Ou então enganou-se com as horas. No relógio foi à meia-noite. Depois sentou-se lá, naquela banda, ela disse, à espera que fosse dia. Uma música toda a noite. De manhã cedo chegou, veio subindo com as vacas. 

– Cotinha, já está aqui? 

            – Ó tio Vitorino, eu já estou aqui desde a meia-noite! Mas uma festa, não sei onde eu, uma música que passou-se bem o tempo! 

– Ai, Cotinha, Cotinha!

Diziam que andava lá uma banda de música. E ali em cima na do (Gilberto?), também. Ali é um Padre, caramba. Pergunta-lhe ao Armando, que diz que fugiu uma vez de lá todos a sete pés.

(...)

Deixa-me agora contar eu esta. O (Gil?) tem uma Coutada cá, lá para cima. Onde terminam as árvores e começa o monte, há lá Coutada de (Gilberto?). Tem uma casa no meio. E diziam que andava lá um Padre, o espírito de um Padre que andava por ali. (...) Éramos nós todos novos, os rapazes ali de Quartas fomos aos ninhos. Fomos aos ninhos e andávamos lá todos contentes, aos ninhos, queríamos dos de gaio que era para fazermos arroz com ele, se apanhasse um ninho de gaio. 

Quando tal diz um: «Eu vi o Padre.». 

Diz outro: «Eu também o vi, eu também o vi! Não vistes acolá aquelas folhas ali?». 

Todos nós vimos o Padre, eu também o vi. Começámos a fugir, só parámos no lugar. E nenhum de nós viu o Padre, mas o medo era tanto. Assustaram-se uns aos outros!

Todo vimos o Padre, ali não houve nenhum que não tivesse visto o Padre. Toca a correr até Quartas. (...) De mota não se vê, há que ir dentro da Coutada.

É dentro da Coutada! Tem lá uma casa que ainda é assombrada!

Tem uma casa. Eu já estive lá dentro. Uma vez eu, o Evaristo e o Francisco entrámos lá dentro.

– E não estava lá dentro o Padre?

– Estava nada, estava lá tudo velho, podre a cair.

– E não lhe deu medo?"

– Nós éramos pequenos, eu e o Francisco somos da mesma idade, mas tínhamos um mais adulto connosco e ele animava-nos. Se nós não fossemos ele dizia que nós éramos medricas, fazia esse jogo: «Sedes cagões, sedes medricas.». E nós medo tínhamos, mas...

– Mas como foste de propósito não apareceu. E esse aparecia se fosses a não pensar naquilo.

– Mas quando fomos aos ninhos um disse: «Eu vi o Padre, eu vi o Padre.», todos [disseram:] «Eu também vi, eu também vi.»

Ninguém o vira, mas pronto, deu-lhes medo!

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Armando Domingos, Maria Barreiros, Maria das Dores, Maria Glória (Lola)

Contexto de produção

Contexto territorial

Ribas de Mouro
Ribas de Mouro
Monção
Viana do castelo

Contexto temporal

2022

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão
Idioma

Equipa

Transcrição
Laura del Rio, Paulo Correia
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa, José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL