nome:

Mariana Monteiro

ano nascimento:

1942

freguesia: Pereiro de Palhacana (em Mata de Palhacana)
concelho:
Alenquer
distrito:
Lisboa
data de recolha: 2013
 

Inventário PCI

Entrevista

Alenquer

"Entrevista" - Relato de uma vida árdua desde muito cedo, dedicada ao trabalho e aos filhos, passando por dois casamentos e o trabalho constante no campo.

Mariana Monteiro, Ano de Nascimento 1942. Mata de Palhacana. Pereiro de Palhacana. 

Entrevista – episódios de vida

Transcrição

Entrevista

"A história da minha vida foi muito, muito madrasta. Fui criada sozinha, sem ninguém. Eu e eu mesmo. Fui trabalhar para uma quinta com onze anos, a trabalhar no duro e cinquenta escudinhos por mês – e comer e dormir e vestir. Depois lá arranjei outra coisinha, fui servir para uma pensão, lavar louça na copa. Depois aparece a minha mãe, coitada, com um fragateiro. Quis-me levar com ela; andei com ela sabe Deus como – como os ciganos. Como os ciganos mesmo: como os ciganos. A dormir por aqui, por ali e por acolá. O homem era um fulineiro[1] à porta, desses homens que arranjam chapéus e essas coisas. Aí foi do pior – do pior. Foi do pior.

Depois casei-me muito novinha, tinha catorze anos. Casei-me. Tive quatro filhos seguidos. O meu marido arreigou ferro: deixou-me os filhotes. Tive que os criar. Isto passou-se. Vivia sozinha; depois já duma mão cheia de anos, tornei a casar. Aí então é que a vida começou a ser um bocadinho… um bocadinho melhor. Mas o meu marido, coitado, era um bocadinho… gostava um bocadinho da pinga. Mas ao menos tinha comerzinho e tinha casa, e tudo bem. Tive mais outra filhota e prontos. E a vida era muito dura; muito ruim. Para mim foi muito madrasta.

Agora – o meu marido morreu há catorze anos – é que eu tenho tido liberdade à maneira, como se fosse uma rapariga nova. Agora é que eu estou uma rapariga nova, a viver a vida bem! Graças a Deus tenho uma reformazinha menos má, não pago renda de casa e faço o que bem quero e me apetece. Agora é que eu estou bem.

Tinha onze anos quando fui para uma quinta tratar de porcos. Apanhava-se hortaliça, ervas, a ceifar – ervas, hortaliças… Apanhava-se batata, apanhava-se beterraba para os porcos, lavava a casa dos porcos… Eu e mais, não só eu! Pronto, era uma vida dura, duma miúda que havia de andar na escola – não pude ir para a escola – não é? Alguma coisa que sei foi [o] que eu da minha cabeça consegui aprender. Mas não havia nada para ninguém.

Depois estive lá um ano e tal, falaram-me para eu ir para um restaurante que havia em Leiria (não sei se ainda há), para ir lavar louça para a copa. Fui para lá. Estive lá até me ajuntar com o meu primeiro marido.

Vim para cá, andei por aí nas fazendas a apanhar, sei lá, a apanhar uva, a apanhar vides… No campo! Foi sempre. Ah, e tomava conta duma velhota, que é donde eu estou reformada. Porque o campo não… A gente não tínhamos descontos… E então eu tomava conta duma senhora que era aleijadinha, aqui na Freiria. [Ia] lá, todos os dias, todos os dias… E antes de ir, ferrar ao trabalho, e à noite ia lá deitá-la e fazer-lhe as coisas. É dela que eu tenho a caixa das domésticas, que o campo não… O campo agora se calhar até dá, não sei… Mas dantes não dava. Dantes não tínhamos… Não havia reformas, pronto. Não havia descontos, não havia reformas.

[Quando ia para o campo, ia com outras mulheres?]

Muitas! Muitas mulheres!

[E como é que era? O que é que faziam? Conversavam, cantavam?]

Era. Conversávamos, olha… Era conversar da nossa vida, era o que a gente sabia fazer, era conversar da nossa vida. Umas havia quem tivesse melhor vida, outras havia quem tivesse menos. Umas eram felizes, outras não eram. E era assim. E as que sabiam muito bem cantar, cantavam toda a tarde se fosse preciso! E eu e outras, as anedotas que sabemos, aprendíamos umas, esquecíamos outras e era assim que se passava o dia."

 


[1] O mesmo que funileiro, bate-chapas ou amolador.

Caraterização

Caraterização
Documentação
Origem / história
Bibliografia

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
Entrevista
1942
Mariana Monteiro
Trabalhadora agrícola

Contexto de produção

Comunidade ou grupo
Fundação do grupo ou comunidade
Detentor de direitos
Descrição de direitos
Medidas de salvaguarda
Riscos identificados

Contexto territorial

Mata de Palhacana, café local
Pereiro de Palhacana
Alenquer
Lisboa
Portugal

Contexto temporal

2013

Património associado

Património Cultural Imaterial

Festas e feiras locais

Património Material
Património natural

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Histórias partilhadas nos tempos de lazer e em festas e romarias. Actividades promovidas pelo Município.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Ana Sofia Paiva
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL