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Autor:Teresa Perdigão

O Grupo de Trabalho e Acção Cultural – O Semeador - nasceu logo após o 25 de Abril de 1974, como uma Associação de Formação e Educação Popular(1) e com ela nasceram cantares, teatro, música e alfabetização, tudo graciosamente dinamizado por pessoas interessadas na intervenção social.

Com o andar dos tempos e consequente alteração dos costumes e regras que vinham do antigo regime, o ensino tornou-se obrigatório e a alfabetização de adultos passou para entidades públicas, o que fez com que esta valência, naturalmente, se viesse a diluir. O mesmo aconteceu com o ensino da música, quando surgiu o Conservatório, em Portalegre.

Porém, os cantares e o teatro consolidaram-se. Este último autonomizou-se, com a designação de Teatro d’O Semeador – A.A.C.P.T. (Associação de Animação Cultural e Produção Teatral) e os cantares passaram a designar-se por O Semeador - Grupo de Cantares de Portalegre.

Como ambos devem a sua paternidade ao Semeador, convivem com este mesmo epíteto, o que condiz, não só com a sua filiação, mas também com o espírito da cidade que teve, no princípio do século XX, um jornal com o mesmo nome, que tem uma escola profissional com a mesma designação e que hoje abre uma das suas portas através da estátua do Semeador.

Junto a esta estátua fica o Convento de Santa Clara, à data do 25 de Abril completamente abandonado, mas que, graças ao entusiasmo e ao espírito revolucionário do grupo fundador, se transformou no berço onde veio a nascer O SEMEADOR. À escolha do nome não é alheia esta proximidade entre estátua e convento. Porém, seria demasiado redutor não acrescentar a importância metafórica que deu sentido ao desejo dos seus fundadores – semear para colher, mudando qualitativamente a vida das comunidades. Tratava-se de pessoas que fizeram fileiras com as ideias pós 25 de Abril e que já anteriormente se faziam notar pela sua acção mobilizadora de consciências. Eram voluntários, generosos, altruístas, activos, cultos e jovens. Tinham a preocupação de formar e instruir. Daí a importância e o sucesso das aulas de alfabetização que procuravam resolver um problema que afectava o operariado local e os bairros mais pobres da cidade. Daí terem promovido a iniciação ao desporto e à música e ao teatro, com especial relevo para a Escola de Música (Escola de Música Semeador), onde muitos jovens deram os primeiros passos das suas carreiras, bem como para o grupo de teatro onde, igualmente, muitos actores se formaram e continuam hoje, como profissionais.

 

(1)Entrevista concedida por Fernanda Bacalhau em Fevereiro de 2009.

 


 

 

 

No 10º aniversário d’O Semeador, Domingos Bucho, membro do núcleo inicial e promotor de muitas recolhas: “Tudo era coração quente a bater nas veias, tudo era heróico, dramático, importantíssimo, gravíssimo. Jovialidade cândida. Sonho. Paixão. Nos primeiros tempos foi assim em todos nós. E foi bonito. Depois a realidade havia de nos esbofetear tantas vezes. A todos, entenda-se. E fomo-nos transformando, aprendendo.”(2) Mas não perderam o fôlego, nem o entusiasmo. O Semeador continuava. A sua acção de intervenção cultural na cidade e na região era notória. Organizava jogos de futebol, atletismo e torneios de damas, de xadrez e de ping-pong. Ao mesmo tempo promovia noites de convívio onde se faziam conferências sobre temas de interesse local e lançamentos de livros.(3) Dinamizava concursos de canto popular e jogos florais. Fazia feiras do livro e celebrava o Dia da Criança e o da Mulher. Tinha as suas próprias edições(4). Trazia cinema e teatro às colectividades. Convidava grupos como a Brigada Victor Jara e os Cantadores do Redondo ou cantores como Carlos do Carmo, Barata Moura, Zeca Afonso, Vitorino e Sérgio Godinho, entre muitos mais. As aulas de alfabetização foram um sucesso. A professora Domingas Valente era incansável no entusiasmo e na competência. O resultado está bem patente na frequência de um número significativo de alunos e nos seus resultados (5).

Ter um grupo de cantares era um projecto que há muito norteava O SEMEADOR, mas a sua concretização era sucessivamente adiada e repensada. Desta dificuldade dá conta O Semeador Informações, quando, em Março de 1982, refere que a Direcção decidiu reformular a ideia de constituir um orfeão. “Trata-se, uma vez mais – e será a quinta, se resultar – de reconstituir o Grupo de Música Popular do Semeador.”(6) Os obstáculos surgiam, em grande parte, por haver pessoas que, embora interessadas, só temporariamente exerciam a sua profissão em Portalegre, sobretudo médicos e professores (7). Havia também alguma falta de acordo entre formar um grupo coral ou um grupo de cantares tradicionais, mas em 1982 arranca-se definitivamente para esta última hipótese e, em 1983, a 23 de Maio, dia da cidade, o Grupo de Cantares faz a sua estreia (8)

(2) In Brochura publicada pelo GTAC no 10º Aniversário.

(3) Com Victor Sá, por exemplo, em 1981 – Cf. O Semeador Informações, Boletim nº 15, Junho 1981.

(4) Cf. Colecção (Re)descobrir Portalegre., Edições d’O Semeador.

(5) OS boletins, os relatórios de actividades e a documentação que o Grupo tem na sua posse testemunham este sucesso.

(6) Cf. O Semeador INFORMAÇÕES, Boletim nº 18, Março de 1982.

(7) Informação transmitida, em entrevista, por membros do Grupo.

(8) Cf.“ O Semeador”- Grupo de Cantares de PortalegreinA CIDADE, Revista Cultural de Portalegre, Nº 10, p.34.

 


 

 

 

No início cantava toda a música tradicional, mas nunca o fez publicamente (apenas ensaiava essas músicas, como forma de se consolidar como grupo). Um ano depois decidiu fazer constar no seu repertório unicamente cantares da região da Serra de S. Mamede.

Alguns dos seus elementos partiram para o campo e recolheram saias e outros cantares, impulsionados pela vontade comum de defender, preservar e “divulgar, com igual realce, todos os géneros musicais cantados constitutivos do nosso património cultural e artístico”, conforme Domingos Bucho escreve na Revista A Cidade a propósito do aparecimento de “mais um grupo de natureza folclórica”(9). Na opinião deste historiador, grande entusiasta da actividade do grupo e responsável pelo trabalho de campo inicial, normalmente os grupos dão a ver uma parte reduzida do património cultural musical, “precisamente a mais espectacular”, como acontece (ou acontecia), no Alto Alentejo, com as saias, sendo o resto inexplicavelmente esquecido. Contrariando esta tendência, O Semeador assumiu-se “como repositório de toda a música tradicional regional”, pretendendo “ter uma acção directa com as populações, bebendo nelas e a elas voltando, procurando sistematizar uma ideia real do nosso folclore”(10).

Formado por 26 membros, estreou-se com três saias recolhidas por Domingos Bucho e escritas em pauta por Joaquim Correia (para registo da recolha) – Delicado é o ganhão, Fui à fonte beber água e Os teus olhos lindos olhos. O grupo apresentou-se trajado com o fato de trabalho de ganhões e trabalhadoras, tocando cavaquinho, bandolim, violino, acordeão, violas, flautas e percussão. Deste grupo inicial permanecem quatro elementos – Fernanda Bacalhau, Manuel Braga, Agostinho Alfaia e Fernando Pires, sendo actualmente dezoito o número total de elementos. Os instrumentos utilizados são o bandolim, a guitarra, o baixo acústico, o acordeão, a flauta, os adufes, os bombos, as castanholas e os ferrinhos. Estes formam um conjunto sonoro e dão o equilíbrio necessário ao canto do Alto Alentejo.

(9) Cf.“ O Semeador”- Grupo de Cantares de PortalegreinA CIDADE, Revista Cultural de Portalegre, Nº 10, p.34.

(10) Idem

 


 

 


Em 1986 o Grupo de Cantares de Portalegre editou o primeiro disco chamado CALATRÓIA, em homenagem ao ganhão:

Delicado é o ganhão
Que ao toucinho chama bóia
Ao pão de Deus marrocate
Às açordas calatróia

Posteriormente gravou Tempos Vários, título que se inspira numa cantiga de Entrudo:

Isto do Entrudo
É um vário tempo
Faz sair as moças
Fora do convento

Fora do convento
Fora do calvário
Isto do Entrudo
É um tempo vário

É um tempo vário
É um vário tempo
Faz sair as moças
Fora do convento

Fora do convento
Fora do calvário
Isto do Entrudo
É um tempo vário



e Descantes que se inspira nos cantares que, nas festas de casamento, se cantavam aos noivos, normalmente, à noite, quando já estavam deitados:

Ai, já hoje foste à igreja
Ai, fostes pôr a alma em cruz
Ai, Deus te faça bem casada
Ai, como a Virgem com Jesus

Ai, Maria, tua mãe chorou
Ai, quando saístes pr’a rua
E dizia:
“Oh, filha querida,
Ai, que sorte será a tua?”

Ai, já me vou a retirar
Ai, já não lhes dou mais maçada
Ai, Deus queira que sempre digas
Que feliz é estar casada.

 


 

 

 

Em 1987, Já havia participado em 120 espectáculos e tinha no seu repertório os vários géneros de música da região: saias, danças de roda, descantes de casamento e cânticos religiosos, entre outros(11).


Em 1989, integrado no projecto S. Mamede, Danças e Cantares, representa Portugal na União Soviética.


Em 2003, assinala o seu 20º aniversário com actividades que animaram a cidade durante um ano; com a gravação do CD comemorativo; com a exposição “20 anos … diferentes olhares” e com um espectáculo onde participaram a Banda Euterpe, o Orfeão, o Grupo de Teatro e o Grupo da Boavista Entretanto, prosseguia a sua intenção e projecto inicial de recolher material musical: “procurar novas fontes de recolha, alargando a área de abrangência já existente”, como se lê nos seus relatórios de actividades anuais.
A partir de 7 de Janeiro de 2004 passa a chamar-se legalmente Grupo de Cantares de Portalegre e a escritura de constituição de associação é publicada em Diário da República de 17 de Junho do mesmo ano. A acta da primeira Assembleia Geral é bem clara em relação à sua origem: “O Grupo de Cantares de Portalegre nasceu há cerca de vinte anos, no Convento de Santa Clara, como uma das actividades do “Semeador – Grupo de Trabalho e Acção Cultural”, chamando-se então “ O Semeador – Grupo de Cantares de Portalegre” designação e identificação que estará sempre presente na vida deste grupo.”(12)

(11) Cf. Programa do 1º Encontro de História Regional e Local, 1987.

(12) Acta Número Um da Assembleia Geral do Grupo de Cantares de Portalegre, 28 Fevereiro 2004Cf.“ O Semeador”- Grupo de Cantares de PortalegreinA CIDADE, Revista Cultural de Portalegre, Nº 10, p.34.


 

 

 

O ano de 2008 ficou assinalado com as comemorações dos seus 25 anos. Mais uma vez o Grupo de Cantares demonstrou estar vocacionado para intervir, animando a cidade. Por isso, sob o lema “Semeando … Colhendo!”, brindou-a com um Encontro de Grupos de Música Tradicional. À actuação no CAEP (Centro de Artes do Espectáculo de Portalegre) chamou “ 25 anos – 25 cantigas” e apresentou uma canção por cada ano de vida, cujas referências na imprensa local são elogiosas e que, segundo testemunhos de quem assistiu, foi um momento de grande qualidade musical, marcado por um desempenho de grande rigor, de alegria e de satisfação mútuos.

Outros momentos, menos importantes na história de vida do grupo, mas significativos a nível sócio-cultural, são também pretexto para dar a conhecer a grande riqueza da identidade cultural das gentes de Portalegre e para mostrar a sua vitalidade. Por isso, faz concertos no dia de Reis desde 2002 e, em 2009, reanimou, com grande sucesso, a marcha do Bairro da Vila Nova, que tinha saído havia 34 anos. Este papel interventivo é notório em todos seus relatórios anuais, aos quais o grupo vai, sucessivamente, acrescentando mais tarefas àquelas que já desempenha, procurando oferecer a sua presença ao maior número de instituições, nomeadamente Lares e Centros de Dia.

 


 

 


Grande parte das modas de saias, dos descantes de casamento, das cantigas de romaria, de carnaval, de trabalho e de embalar, bem como das cantigas de feição religiosa dos concelhos de Portalegre, Alter do Chão, Arronches, Elvas, Marvão, Monforte e Nisa está preservada, quer em registo áudio, com entrevistas de várias fontes, quer escritas e já trabalhadas ou “vestidas”, para usar o termo do director artístico, Vítor Miranda.


Da recolha à integração no reportório do grupo, os temas são arranjados de modo a preservar a melodia e a utilizar informações recolhidas no local. Alguns exemplos: numa cantiga de trabalho, procura-se trazer alguma sonoridade que a identifique com a actividade, por exemplo dando alguns sons de matraquear com adufes; no caso de uma cantiga de romaria à Senhora da Estrela, dá-se um arranjo leve e de alegria e numa cantiga recolhida em Nisa chamada Corcovados, supostamente com influências francesas devido às invasões, arranja-se o final com um flautim e caixa. “Existe aqui um jogo simbólico – tentar contextualizar o tema com a informação que nos é fornecida”, conclui Vítor Miranda. É um trabalho que faz sozinho, depois do que, é exaustivamente experimentado e ensaiado. Quando não resulta veste o tema de outra forma até ser aceite e cantada pelo grupo.

Como projectos futuros, o Grupo de Cantares de Portalegre dedicar-se-á mais intensamente aos concelhos de Castelo de Vide, Crato e Gavião, trabalhando no sentido de vir a publicar o Cancioneiro do Alto Alentejo.

Prevê ainda publicar a história deste grupo, desde o fundador Semeador, até à actualidade.