História das laranjas
Era uma mãe que tinha dois filhos: um menino e uma menina. A menina chamava-se Periquita e o menino Periquito. E a mãe era muito má! E um dia disse-lhes assim:
– Olhem lá filhos, vocês vão a fazer um recado à mãe. Mas esse que chegar cá primeiro, eu dou-lhe uma coisinha! Um vai ao azeite e outro vai ao vinagre.
Foi. Eles foram fazer o recado à mãe. Foram os dois a correr, coitadinhos! Foram os dois a fugir.
E quem havia de vir primeiro foi o menino. A mãe era muito má (e o pai andava trabalhando) e ela o que fez? Matou o menino e fez comida pra mandar ao marido. E quem havia de levar a comida ao marido? Foi a menina quando chegou.
Periquita – E o nosso Periquito?
Mãe – Ora, o nosso Periquito ainda não veio. Tu é que agora vais levar o almoço ao pai. Mas não destapes a panela! Não destapes a panela!
Ela foi. Quando ia no caminho pensou: “a minha mãe disse que não destapasse a panela?! Mas eu vou-a destapar!”. Foi destapar e viu umas manitas(1) de alguém ao de cima. E conheceu que eram as manitas do irmão. Começou a chorar, a chorar, chorar… Ali, sentada ao pé da panela, a chorar.
Apareceu uma velhota.
Velhota – Porque é que é que tu choras, menina?
Periquita – Oh! Porque minha mãe mandou-me a mim ao azeite e o meu manito(2) ao vinagre e ao que chegasse primeiro dava-lhe uma coisinha. E agora, a minha mãe o que fez? Matou o meu irmão. E tenho aqui a comida feita pra meu pai comer!
A velhota disse-lhe assim:
– Olha, na’ tenhas medo. Eu sou Nossa Senhora(3). E atão(4) tu agora vais, e chegas lá, não comes! Se o teu pai te disser para comeres, tu não comes! Dizes que na’ queres. E os ossinhos todos que o teu pai deixar, tu apanha-los todos, guarda-los e depois deixa… Quando chegares a casa… Tu não tens lá nenhuma árvore no quintal?
Periquita – Tenho uma laranjeira.
Velhota – Atão, lá debaixo da laranjeira, sem ninguém ver, tu pões lá os ossinhos do teu irmão. Todos lá metidos, ali num bocadinho de terra, debaixo da laranjeira. – A laranjeira tinha muitas laranjas, muito bonitas.
E ela foi. Chegou lá, o pai disse-lhe:
– Anda comer Periquita!
Periquita: – Não. Eu na’ quero comer.
Pai: – Pra quê que tu andas apanhando os ossinhos?
Periquita: – Pra eu brincar. – Agarrou-os todos, meteu-os dentro de um lencinho. Guardou-os.
Chegou cá a casa, foi pô-los lá onde a Nossa Senhora lhe tinha dito. Ali. Ela enterrou-os ali, todos os ossinhos debaixo da laranjeira.
E, no outro dia de manhã, apareceu o menino com um grande ramo de laranjas!
A avó chegou lá ao pé dele:
– Ai! O nosso menino com umas laranjas tão gordas! Dá-me uma, filho!
Periquito: – Não, não quero. A mãe, primeiro.
Mãe – Dá-me uma, filho!
Periquito – Não! Não quero! Que me mataste!
Depois disse a avó:
– Periquito, dá-me uma!
Periquito – Não quero! Que me esfolaste!
Depois foi a menina a dizer:
– Ai mano! Dá-me uma a mim!
Ele deu-lhas e disse:
Periquito: – Toma-as todas, que me salvaste!
Mariana Valente, Ficalho (conc. Serpa), Fevereiro 2006.
Glossário:
(1) Manitas: mão pequena; mãozinha.
(2) Manito: pequeno irmão; irmãozinho.
(3) Nossa Senhora: Designação da Virgem Maria na Igreja Católica Romana.
(4) Atão: regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que significa “então”.