nome:

António Comprido

ano nascimento:

1933

freguesia: Pereiro de Palhacana (Bonvizinho)
concelho:
Alenquer
distrito:
Lisboa
data de recolha: 2013
 

Inventário PCI

O serrabulho

Alenquer

"O serrabulho" - Explicação de como se faz serrabulho, feita pelo maior e mais antigo especialista local.

António Comprido, Ano de Nascimento 1933. Bonvizinho. Pereiro de Palhacana. 

Relato sobre práticas

Transcrição

O serrabulho

"O serrabulho, o princípio do serrabulho é logo bem temperado, quando a carne está em molho. Põe-se aquela carne dentro daquele molho… Vinho branco bom – do melhor que houver. Vinho branco bom já é logo… Com um bocadinho de cravinho, os temperos todos ali ao jeito. Mete-se aquilo tudo, deixa-se estar ali de um dia para o outro, ou que seja, uma noite. Depois, quando vai a fazer, apura-se um refogado bem apurado. Tem que ser bem apurado. Depois de ele estar bem apurado guisa-se aquilo tudo. Isso leva a guisar uma carne qualquer, uma carne qualquer. Depois temos o sangue em cru. Sal, louro, alho e a gente vai fazendo conforme o paladar que a pessoa tenha. Mete-se, vai-se metendo, vai-se metendo… Até a gente ver que aquele paladar que dá para todos comerem! Porque a gente não pode fazer ao paladar deste e daquele e do outro: tem que ser ao nosso. Porque se for… então tinha de fazer um tacho para cada um, não é? Tem de fazer ao nosso paladar. Mas a gente entende que é o paladar que agrada aquase a toda a gente, não é?

Eu quando fazia, cheguei a botar um bidon de duzentos litros. Novo! Porque não havia tacho para fazer para duzentas e tal pessoas! Quando chegava a gente a esgotar o tacho, já havia pessoas que não provaram o serrabulho! Que não provavam o serrabulho! Um aviava-se mais cedo, aquilo estava bom, já não esperava que a gente o aviasse! Ia lá, zumba: zumba! A gente contava que aquilo chegasse, depois não chegava. Depois eles: eu comi duas vezes! Outros: eu comi três! E o serrabulho às vezes não chegava.

Aí em Alverca aconteceu-me isso duas vezes. Duas vezes que me aconteceu isso. Eu fui, às folhas tantas disse para o meu filho:

- Ó Luís Manuel, a gente vamos deixar um tacho tapado. -ele estava lá a trabalhar. -Leva-se o tacho no bidon, mas leva-se um tacho. Eu tiro um tacho de comer!

E assim é que eu fiz essa malta lá em baixo comer serrabulho, porque fui lá três anos fazer serrabulho: nunca chegou para a malta. E era um bidon, um bidon cortado, novinho, a fazer serrabulho! Aquilo era um despachar, a malta dali para baixo, a comer serrabulho… Aquilo era aviar! Aquilo era aviar! Fui lá à Lourinhã também fazer… Eram três porcos. Três porcos. E eu disse assim cá para o senhor que me vinha cá buscar (e vinha cá pôr):

- A gente faz esta quantidade de serrabulho. Se não chegar, vocês têm três porcos, -levaram um assador que eu tinha aí -assa-se carne e a malta satisfaz-se com carne.

Mas chegou. O serrabulho lá chegou. Rapaz, aquilo… Aquilo foi sempre… Só tive um que me calhou mal. E fiz serrabulho muito ano, desde a idade de dezoito anos que eu comecei a fazer serrabulho. Não havia ano nenhum que eu não fizesse três, quatro, cinco serrabulhos. Era em qualquer altura que eles podiam fazer uma paródia em casa deles. Firmas, firmas! E depois aquela firma juntava-se, matava um porco para os empregados e para a malta que fazia o movimento lá da casa. Convidava e depois lá ia o Tóino lá fazer um serrabulho. Fiz muito, muito, muito.

[O senhor era mesmo o especialista aqui da zona, para ir até à Lourinhã…]

Era. Era, era, era, era. Depois é que comecei a ensinar este, a ensinar aquele. Eu andava sempre com noz-moscada, cravinho… Andava sempre de piripiri, mas era malaguetas que eu aqui semeava. Levava sempre aquilo tudo dentro duns frasquinhos. Punha na algibeira e depois… Porque eles lá não tinham; ninguém tinha daquilo. Havia algum cravinho? Aquilo nem sabiam que era cravinho! Hoje toda a gente sabe o que é cravinho. Mas naquele tempo, quem é que sabia o que era cravinho? Ninguém. Eu tinha dezoito anos a primeira vez que eu fui fazer ali abaixo, ali a Alverca. Quem é que sabia o que era cravinho? Uma prima que estava lá, lá me aludiu. Eu fui lá. Eu não fazia vida daquilo! Ia só por causa da paródia. Arranjava amigos, arranjava colegas. E aqui? Quantos serrabulhos eu tenho feito aqui. Essa adega velha que está aí, meti aí toneladas! Toneladas, aí dentro!2

 

 

 

 

Caraterização

Caraterização
Documentação
Origem / história
Bibliografia

Identificação

Processos e técnicas tradicionais
Cozinha, alimentação e estimulantes
O serrabulho
1933
António Comprido
Trabalhador agrícola

Contexto de produção

Comunidade ou grupo
Fundação do grupo ou comunidade
Detentor de direitos
Descrição de direitos
Medidas de salvaguarda
Riscos identificados

Contexto territorial

Bonvizinho, residência de António Comprido
Pereiro de Palhacana
Alenquer
Lisboa
Portugal

Contexto temporal

2013

Património associado

Património Cultural Imaterial

Festas e feiras locais

Património Material
Património natural

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Histórias partilhadas nos tempos de lazer e em festas e romarias. Actividades promovidas pelo Município.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Ana Sofia Paiva
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Filomena Sousa
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL