nome:

António Caeiro

ano nascimento:

30/12/1933

freguesia: Vila Ruiva
concelho:
Cuba
distrito:
Beja
data de recolha: Fevereiro 2006
 

Inventário PCI

O lobo esfomeado

Cuba

“O lobo esfomeado” -  Um lobo esfomeado é consecutivamente enganado pelos animais que tenta comer.

 

António Caeiro; Vila Ruiva; Concelho de Cuba.

Registo 2006.

Fábula. Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson: ATU 122 AO Lobo (Raposa) em Busca do Pequeno Almoço + ATU 47 B O Cavalo (*Égua) Atinge o Lobo nos Dentes com um Coice + ATU122 K* O Lobo como Juiz    Classificação segundo o sistema de Aarne-Thompson : Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Junho de 2007.

 

 

Transcrição

O lobo esfomeado

 

«Era um lobo. O lobo, de manhã, quando se levantou espreguiçou-se, pregou um traque (um peido como dizia o meu pai) e disse:

 

– Oh! Que bela novidade que me deu o meu cu hoje!

 

Pensou:

 

– Hoje vou ter um dia bom!

 

Levantou-se e foi plo campo fora. O que é que ele viu? Vi uma égua com uma criazinha pequena. Foi direito à égua e disse:

 

– Ai, égua! Oh! Eu vou comer a tua filha!

 

Égua – Ah! Na’ comas! Ela é tão bonita!

 

Lobo – Como! Eu tenho fome e tenho que comer. Ainda não comi nada hoje!

 

Égua – Na’ comas!

 

Lobo – Como!

 

Até que disse a égua:

 

– Olha, já me disseram que tu és um bom veterinário e eu ando aqui com um cravo encravado na pata, se tu fosses capaz de mo tirar… Tu se és um bom ferrador, um bom veterinário…

 

O lobo logo armado em fanfarrão:

 

– Pois sou! Sou o melhor veterinário e melhor ferrador que há aqui na área!

 

Égua – Atão(1) vai lá.

 

Lobo – Levanta lá a pata!

 

O lobo vai lá ao pé e conforme levanta a pata, a égua sacode- -lhe um coice e vai o lobo a rebolar por ali abaixo! E a água fugiu, conseguiu salvar a cria.

 

E o lobo:

– Ora que novidade que o meu cu(2) me deu hoje, ãh!

 

Bom, o lobo chegou mais à frente, foi andando, andando… ‘Tavam dois carneiros a guerrear (sabe como são dois carneiros – é marrada contra marrada).

 

O lobo disse:

 

– Oh! Agora é que vou encher a barriga!

 

Chegou lá, disse:

 

– Oh! Eu vou comê-los!

 

Disse logo o carneiro mais velho assim:

 

– ‘Pere lá um bocadinho! Antes de comeres vais aqui desmanchar uma teima! Tu sabes porque é que a gente(3) ‘tamos a guerrear?

 

Lobo – Não.

 

Carneiro – É que eu digo que a estrema da herdade –a estrema é o limite da herdade – é por aqui. Aqui o meu compadre diz que é por ali… E tu vais servir de juiz. Vais dizer qual é que é. A gente põe-se aí à distância e tu vês.

 

Os carneiros recuaram um para cada lado e o lobo foi ver onde é que era me’mo a estrema – que era para assinalar. Assim que o apanharam no meio, vêem-lhe os dois – catrapumba! – cada um com a sua marrada... Lá vai o desgraçado! O desgraçado do lobo às cambalhotas…

 

Lobo – Tal não foi boa a novidade que o meu cu me deu hoje, ãh?!

 

E não conseguia comer nada, cada vez tinha mais fome! Foi andando por um vale abaixo, quando chegou lá a uma ribeirazita ‘tava uma vaca com uma vitelazinha, com um bezerrito pequeno ao pé.

 

Lobo – Esta agora é que na’ escapa! De certeza absoluta! Agora desta vez… Agora não me engana!

 

E pensou:

 

– Bem…

 

Assim foi. De maneira que chegou lá:

 

– Vaca, olha(4), agora vou comer o teu filho!

 

Vaca – Não comas o meu filho! É tão pequenino, é tão bonito! Não comas!

 

Lobo – Como!

 

Vaca – Não comas! Escute lá compadre lobo, já sei da tua fama de bom veterinário e eu tenho uma coisa aqui atrás da orelha. Se tu ma conseguisses tirar antes de comer a minha filha eu agradecia-te muito!

 

Lobo – Atão vá lá, eu sempre fui bom veterinário.

 

O lobo lá foi. A vaca assim que o apanhou lá ao pé, olha, começou chateada à marrada com ele… Lá foi ele de pantanas(5) e não comeu o boi. E ela fugiu com ele, com o filho. As histórias do meu pai eram sempre assim.

 

António Caeiro, 73 anos, Vila Ruiva (conc. Cuba), Fevereiro de 2006.

 

Glossário:

 

(1) Atão: regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que significa “então”.

(2) Cu: regionalismo de Portugal e do Brasil para designar o ânus; palavrão ligado ao metabolismo do corpo.

(3) A gente: subentende-se “nós”.

(4) Olha: Escuta! Ouve! Presta atenção!

(5) De pantanas: de costas; desamparado.

Para execução deste glossário consultaram-se os websites e dicionários: http://ciberduvidas.sapo.pt/; http://www.infopedia.pt/; Dicionário de Expressões Populares Portuguesas. 2ª. Edição, Dicionários D. Quixote; 34. Lisboa: Publicações D. Quixote.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O lobo esfomeado
1933
António Caeiro

Contexto de produção

Contexto territorial

Vila Ruiva, casa de António Caeiro
Vila Ruiva
Cuba
Beja
Portugal

Contexto temporal

2006
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Beja/Cuba, escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Cuba e de Beja. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Marta do Ó
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL