Alberto Melo - Um grande amor
Uma belíssima história de paixão e amor, entre Paris, Londres e Portugal. Uma história que inicia na década de 70, uma história de desencontros e reencontros.
Nome Alberto Eduardo da Silva e Melo
Idade
68
Entidade
Biblioteca Municipal de Loulé
Localidade Loulé
Concelho Loulé

Um grande amor

“Sou Alberto Eduardo da Silva e Melo, resido na freguesia de Querença no Concelho de Loulé e tenho 68 anos.

Em 1963, depois de acabar o curso de Direito, em Lisboa, onde nasci e morava, saí do país por vários motivos. Fundamentalmente, pelo regime político que então vigorava em Portugal e que era insuportável para muitas pessoas e principalmente para um jovem como eu e muitos outros; também para recusar a guerra que se fazia em defesa de umas colónias que eu não acreditava que fossem nossas, nem minhas, e portanto não era causa que eu estivesse disposto a defender com armas na mão.

Fui então viver para Paris e aí vivi uns tantos anos. Passei lá o Maio de 68, mas depois de Maio houve um momento de depressão dos jovens que tinham participado e acompanhado o movimento e foi nessa altura que decidi (passados seis anos a viver em Paris) ir viver para Inglaterra, para Manchester.

Mas em 1970 voltei a Paris para uns dias de férias. Estava a estudar em Manchester, a fazer uma pós-graduação e em Paris encontrei, por acaso, na rua, uma amiga Portuguesa (que eu tinha conhecido em tempos e que tinha acabado o curso de economia em Toulouse). Ela convidou-me para ir almoçar a um self service, no bairro Saint-Michel, onde estava a trabalhar uma amiga dela francesa, Heléne, que também tinha acabado o curso, mas enquanto não encontrava outra coisa estava a ganhar algum dinheiro nesse self service. Fui lá para almoçarmos e ela apresentou-me essa amiga e nessa altura (em 70, eu já tinha 29 anos) foi uma sensação que eu nunca tinha tido na vida – foi assim uma espécie de “martelada na cabeça”, em que perdi completamente a realidade e o contexto em que estava – e então pensei: “isto é que é o amor à primeira vista”.

E eu que nunca fui muito empreendedor nestes campos, de tomar muitas iniciativas de aproximação a mulheres, nesse dia voltei lá e convidei-a, perguntei se queria encontrar-se comigo. Ela disse que não podia, que estava comprometida, que tinha iniciado uma relação amorosa há pouco tempo e não se sentia disponível para qualquer ligação comigo.

Regressei então a Inglaterra.


Vivi em Inglaterra até 74, foi na altura em que soube que se deu aqui o 25 de Abril. Vim cá em Maio, depois voltei para viver em Setembro, depois estive dois anos em Portugal. Em 76 voltei a Paris para trabalhar na UNESCO, mas já na delegação de Portugal – normalizei a minha relação com Portugal e com o governo, os novos governos democráticos em Portugal. Estive na UNESCO até 79, em 80 voltei a Inglaterra um ano, em 81 vim trabalhar para Paris para a Universidade e, na Universidade reencontrei essa amiga portuguesa com quem fui mantendo algum contacto. Em 1982, em Fevereiro, ela convidou-me para uma festa. Ela ia abrir uma empresa de interpretação/tradução, organizou um pequeno cocktail e gostava que eu estivesse presente com outros convidados.

Eram para aí umas seis horas da tarde, apareci lá. Entrei na sala e, ao fundo da sala, olhei para uma mulher e, pela segunda vez na vida, aconteceu-me a mesma sensação - a tal “martelada na cabeça”.

A minha amiga foi-me apresentando às várias pessoas que ali estavam, quando chegámos a essa pessoa, ela apresentou-me, eu disse: “muito prazer, (enchanté)”. E ela disse enchanté nada, nós já nos conhecemos, não te lembras, há 12 anos, naquele self service onde eu trabalhei?

Realmente ela tinha mudado, eu também, mas realmente houve ali um...para mim foi um segundo reencontro, foi a repetição da mesma sensação. De início não a tinha reconhecido, mas tinha sentido essa mesma sensação. Trocámos telefones, telefonámos, falámos, almoçamos....ela estava disponível e eu também. Quinze dias depois estávamos a viver juntos e a tentar recuperar os 12 anos perdidos numa paixão intensa que preenche uma vida.

A paixão durou dois anos, ao fim de dois anos ela morreu.

Ela já estava com problemas de cancro e agravou-se, mas foi uma experiência que de modo nenhum me arrependo, estou felicíssimo por ter passado aqueles dois anos. Foram dois anos grandes. Foi também a minha possibilidade de a acompanhar, apoiar até ao fim. Estive com ela até aos últimos minutos, acompanhei-a.

Ela tinha vindo para casa, já não havia nada a fazer no hospital, mandaram-na para casa. Passámos a última noite juntos, ela pediu-me para a massajar, massajei-a para ela se sentir mais confortável e a certo momento da massagem senti que qualquer coisa estava a partir, senti uma energia muito forte a voar para fora do corpo e senti que era o fim e aí também, instintivamente, dei um grito tremendo.

A família que estava no corredor veio a correr, nessa altura começou a tocar o rádio que estava no quarto, em grande volume e com um hino triunfal, uma música, realmente de esplendor (passados uns meses tornei a ouvi-la, mas não consigo identificar, era uma peça de música clássica, era de uma força, dum vigor, de uma energia extraordinária). O rádio começou a tocá-la sozinho. Aí senti-me pouco à-vontade, “a família está a entrar no quarto e a música a tocar desta maneira”, fui ao rádio e apaguei-o, passados uns segundos voltou a tocar sozinho.
Foi uma grande experiência, muito forte.

Senti depois que ela me acompanhou. Quando voltei para Portugal, sozinho, senti que ela estava comigo. Isso aconteceu durante alguns meses, para mim era um conforto, mas às tantas senti, “não, isto é egoísmo da minha parte, se ela partiu foi para qualquer outra coisa e não para estar aqui e continuar presa a esta terra, a este tipo de vida, a este planeta”. De maneira que, numa carta que escrevi a um amigo de Manchester contei todos estes episódios (ele tinha sido meu professor na Universidade, mas mantivemos contacto), contei-lhe estes episódios e disse-lhe, “realmente para mim era muito agradável, um conforto esta companhia, mas eu sentia que não tinha esse direito e, portanto, gostaria que ela partisse e que qualquer outra fase da sua existência que tivesse de fazer que fizesse a partir daquela altura” e aí, aí senti como que um “obrigada”, senti uma certa sensação de gratidão e ao mesmo tempo um adeus e senti aquela mesma sensação, aquela coisa que voa para longe de mim e então percebi que era o adeus definitivo e que era realmente a partida...foi um momento forte de emoção e de paixão que vivi na minha vida.

Actualmente posso dizer que vivo um outro momento de paixão, tenho uma relação que já dura há quase 25 anos e se não houvesse paixão certamente não duraria tanto tempo e é certamente uma relação para durar até ao fim dos meus dias, e dos dias dela. Estou certo que só pode ser paixão, será certamente a minha segunda paixão, mas uma paixão vivida no tempo e na distância, na duração. A primeira foi uma paixão, digamos, comprimida e condensada em dois anos. Mas a actual também será paixão, como dizia o Jacques Brel ‘vingt ans d'amour c'est l'amour fol’.”