nome:
Idalina Cacito
ano nascimento:
1938
freguesia: St. Clara de Louredo
concelho:
Beja                                           
distrito:
Beja
data de recolha: Abril 2010
 
 

Inventário PCI

St. António padrinho

Beja

“St. António padrinho”- Uma menina é afilhada de Santo António. Como condição de afilhada terá de correr mundo aos onze anos disfarçada de rapaz. A sua beleza desperta paixões entre a realeza que a deixam em apuros, mas o padrinho dá uma ajuda…

 

Idalina Cocito; St. Clara de Louredo; Ano de nascimento: 1938; Concelho de Beja.

Registo 2010.

Conto Maravilhoso: Ciclo “Ajudantes Sobrenaturais”: Tipo **514, A Afilhada de Santo António (A Young Woman Disguised as a Man is Wooed by the Queen).

 

Classificação: Isabel Cardigos (CEAO/Universidade do Algarve) em Setembro de 2011.

Fonte da Classificação: Isabel Cardigos, Paulo Correia, J. J. Dias Marques, Catalogue of Portuguese Folktales, “F.F. Communications nº 291 “ Academia Scientiarum Fennica, Helsínquia, 2006. Elaborado a partir dos catálogos internacionais, nomeadamente o “Aarne-Thompson” (The Types of the Folktales, “F.F.C. nº 184, Helsínquia1961) e a recente reformulação de Hans-Jörg Uther, The Types of International Folktales: A Classification and Bibliography, “F.F.C. 284-286”, Helsínquia 2004.Foi utilizada a reformulação portuguesa ampliada, ainda inédita.

 

Transcrição

Santo António padrinho

 

«Era um homem que tinha muito filho (…) tinha já tanto filho, tanto filho, já na’(1) sabia (…) quem é que havia de convidar pa’(2) padrinho(3).

Vai, disse assim: - Oh! Onde é que eu hei-de ir convidar pa’ padrinho? (…)

- Outro moço, filha? Olha(4), atão(5), olha… – Era um homem que rachava lenha. E diz ele assim: - Olha! Convidamos *Santo Antóino* (6)!

Convidou o Santo Antóino. O home’(7) convidou o Santo Antóino, disse assim:

- Bom, ela vai ter uma mocinha-mulher. - Era uma mocinha!

 

Diz ela assim: - Atão, agora? Como é que *a gente(8)* faz as coisas?

 

- Bom… É moça, mas a gente põe-*le*(9) António! E em tendo onze anos, vai correr mundo. (…)

- Ah! Atão, mas…

 

- Veste a roupa de rapaz (…) corta o cabelo e vai correr mundo!

 

Foi! Foi, chegou ao pé de um monte(10) e disse:

-(…) Veja lá se quer que eu que eu fique aqui guardando os porcos ou os patos…?

 

Disse: - Na’, não podes que a gente já temos um.

Mas chegou à casa do rei, ficou.  (…) - Mas era uma rapariga. Era pa’ ser António, era Santo António que era o nome do padrinho, mas ficou Antónia porque era uma mocinha, era uma rapariga! Já era uma mulher muito bonita (…) - Ele ficou lá trabalhando e guardando os porcos, guardando os patos… (…) A rainha começasse a apaixonar (…) por ele! Que era António! Pensava que era António, via lá uma cara muito bonita de mulher!

Começou a dizer: - António…

 

Pensou a mulher assim: - Ai, ai!

E foi lá ao rei: ‘tava(11) deitado!

E o padrinho disse-lhe: - Quando te veres nalguma aflição, brada(12) por Santo António!

 

Bom, ele: - Valha-me aqui o me’(13) padrinho ou valha-me Santo António!

Bom, ela foi disse assim: - Escuta, vinha cá (…)… - mas ela, coitadinha, era mulher, o que é que queria que fizesse?! - Eu quero ser tua amante… (…) - Nem sempre, na’ era amante: era amigas! (…) – Quero correr amizade contigo – era o que diziam nesse tempo. - Agora eu ‘tou amando, ‘tou enamorado, ‘tou eu amado – tou *na’ sei quê*(14)… Mai’(15) nesse tempo (…) corria a amizade!

E ela disse: - Ai, na’ posso! Na’ quero, na’ quero! Senão o senhor rei manda-me matar!

 

E vai, diz ela assim: - Ouve(?)! Vou fazer queixas ao rei!

 

Fez queixas ao rei! O rei, no outro dia, disse-le:

- Agora,  tens que ir buscar a minha filha que ‘tá dentro do mar!

Disse assim: - Valha-me aqui Santo Antóino!

 

E ele apareceu e disse: - Então? ‘Tire lá(16)!

 

(…) - A rainha agora quer ser minha amante! E diz que quer que eu vá buscar a filha! ‘Tá dentro do mar! – ‘Tava um anel da filha, ‘tava dentro do mar. E a filha ‘tava encantada nesse anel!

(…) – Tu agora pedes um cavalo branco. E um escuro! E tu montaste no escuro e leva o branco! (…) E venha aqui Santo António! Depois vem a pombinha!

 

E ele chegou lá, a esse sítio, e foi disse: - *Valha-me aqui*(?) Santo António!

 

Apareceu a pombinha! A pombinha foi lá dentro e trouxe um anel! Ele vai, joga o anel (…) àquela pessoa que ‘tava ali à janela. Ela ficou em (…) princesa *do mar/mai’(?) lindo que apareceu*(?). Assim que o viu, apaixonou-se por ele! Mas ela era muda! Ela era muda. Era muda e depois ele dizia assim:

- (…) Atão, e é muda, como é que?

– Deixa lá, que já se vê já hoje!

Ela era muda! Mas quando foram, conforme se montaram nos cavalos, ele montou-se num castanho e ela no branco.

E ela disse assim: - Ai, delas!

 

Chegou lá, (…) ‘tava o povo levantado pa’ chegar a rainha que era muda!

- Ai, diz lá isso…

E ela dizia: - Ela na’ fala! Tu és morto! Ela na’ fala! – (…).

 

E ó depois ela disse: - Diz lá, diz lá!

 

E ele disse: - Menina, diga lá a palavra que a menina disse quando se montou no cavalo!

Diz ela assim: - Disse “ai, delas!” Que no cavalo vinham duas donzelas! - Ela disse: - “Ai delas e ai, Dom/dão(?)! Ai delas e ai Dom/dão(?)”!

- Diga a outra!

- Ai, Dom/dão(?)!

- Sou o António!

 

- Se a Antónia fosse António já o meu pai era cabrão(17)!

(…) Foi assim! (…) Contava-me estas coisas assim a Ti(18)Chica!

 

Idalina Cacito, Beja, Abril de 2010

Glossário:

(1) Na’ - não (pronuncia popular, uso coloquial).

(2) Pa’ “para” (em próclise, usadode modo informal e coloquial).

(3) Padrinho – o protector, defensor e que foi testemunha de baptismo; o que deu o nome a alguém.

(4) Atão“então”, regionalismo de Portugal, de uso informal e coloquial que, no caso, denota espanto.

(5) OlhaInterjeição empregue para chamar a atenção de alguém. Escuta! Presta atenção!

(6) Santo Antóino – Santo António (pronuncia popular).

(7) Home’ – homem (reprodução de pronúncia popular).

(8) A gente - subentende-se o sujeito “nós”.

(9) -Le ‘lhe’ (pronome, registo popular e modo informal).

(10) Monteregionalismo do Alentejo - «Cada herdade, com raríssimas excepções, contém uma casa ou edifício denominado monte - talvez por ser construído sempre no alto duma colina ou ondulação do terreno, - no qual, além da parte destinada à habitação do proprietário e do seu feitor, ou guardas, existem os celeiros, as arrecadações da ucharia ou dos aparelhos agrícolas, as cavalariças, o forno, a abegoaria, etc. Em algumas herdades há, ainda, outras casas, alugadas aos jornaleiros ou criados da lavoura, designados então por caseiros, - termo de sentido bem diverso do que lhe compete ao norte do Tejo, onde significa feitor.» Gonçalves, Luís da Cunha. (1921). A vida Rural do Alentejo. Breve estudo léxico-etnográfico. II - O regime da propriedade rural. A terra e a habitação. O lar e a alimentação. Sistema usual de explorar a terra. Os salariados e os salários. Horário do trabalho rural (pp.128-136). Academia das Sciencias de Lisboa. (1926). Boletim da Classe de Letras (Antigo Boletim da Segunda Classe). Actas e Pareceres Estudos, Documentos e Notícias. Volume XV. 1920-1921. Coimbra: Imprensa da Universidade (p.128-129).

(11) ‘Tava –“estava” ( pronúncia popular do verbo “estar” conjugado).

(12) Brada – chama por; pede em voz alta.

(13) Me’ – “meu” (supressão da vogal u para reprodução da pronúncia, uso informal e coloquial).

(14) Na’ sei quê – no caso, estado indefinido ou incerto.

(15) Mai’ – neste caso “mas”.

(16) ‘Tire lá! – atire lá; diga lá!

(17) Cabrão – homem traído pela esposa (vulgarismo).

(18) Ti - tia - forma de tratamento que, em Portugal e sobretudo na província, no campo, é usada para mulheres de certa idade e de condição modesta.

 

Referências bibliográficas e recursos online utilizados no glossário:

Barreiros, Fernando Braga. (1917). Vocabulário barrosão. Revista Lusitana, Volume XX, Lisboa: Livraria Clássica Editora, Lisboa. p. 141.

Barros, Vítor Fernandes, (2006). Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Lisboa: Edição Âncora Editora e Edições Colibri, p.254.

Barros, Vítor Fernandes, (2010). Dicionário de Falares das Beiras. 1ª. Edição. Lisboa: Âncora Editora e Edições Colibri, p.243.

Nunes, José Joaquim. (1902). Dialectos Algarvios (Lingoagem do várlavento) (Conclusão). Revista Lusitana: Arquivo de Estudos Filológicos e Etnológicos Relativos a Portugal, (1ª Série), Volume VII, Lisboa: Antiga Casa Bertrand.  pp. 250.

Vasconcelos, José Leite de/Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos (DRA). Em linha, URL/PDF, p.720.

http://aulete.uol.com.br; http://aulete.uol.com.br; http://ciberduvidas.sapo.pt; http://michaelis.uol.com.br; http://www.ciberduvidas.com; http://www.infopedia.pt; http://www.mirandadodouro.com/dicionario; http://www.priberam.pt

 

 

 

 

 

 

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
St. António padrinho
1938
Idalina Cocito

Contexto de produção

Contexto territorial

St. Clara de Louredo
St. Clara de Louredo
Beja
Beja
Portugal

Contexto temporal

2010
Actualmente sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Beja.

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias que participam em iniciativas do Município de Beja. São convidados na iniciativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas.

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
Lénia Santos
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL