Correr sete fontes/ Curar quebradura
«Depois, à meia-noite, esperava-se pela meia-noite, iam-se correr as sete fontes. Tinham que ser sete fontes, donde não se vissem umas das outras! Levava-se um caldeirinho(1), pa’(2) se tirar a água de cada fonte. E umas lavavam a cara e outras bebiam. Era a tradição. Beber água.
Era o milagre que São João fazia: havia meninos (meninos ou meninas, crianças, não é?) quebradas(3) e que, nessa noite, eram passadas no meio de duas vergontas(4) de marmeleiro. Tinha que ir uma Maria e um João e ia a criança que era quebrada.
Quando se chegava a esse dito marmeleiro – portanto tinha que ser distanciado e durante um ano a criança não podia passar por além, por aqueles lados -, levava-se a criança, abria-se a vergonta ao meio, levava-se umas tiras de um cueiro(5) (agora dizem fraldas, mas dantes era cueiros), rasgava-se uma tira, passava-se a criança. O João passava pà(6) Maria, primeiro. O João dizia: - Toma lá, Maria. – Passava a criança pelo meio das vergontas. A Maria apanhava e depois a Maria dizia: - Deita cá, João – depois tornava a passá-la: - Toma lá um menino podre e dá-me cá um são.
Depois da criança ser passada assim, as três vezes, as vergontas uniam-se muito bem unidas: eram enroladas com aquela tira do cueiro e bem atada. E ficava assim. Durante um ano, se as vergontas do marmeleiro colassem o menino ficava curado. Se o menino não se curasse, as vergontas não colavam. Mas a principio… Nós lá tínhamos, essa fé e que acontecia isso. Viu-se esses exemplos muitas vezes. Eu já não sou nova, mas também não sou assim muito velha, mas sempre ouvi contar isto à minha mãe, à minha avó. E que dava certo.»
Maria Luísa, Zebreira (Idanha-a-Nova), Setembro de 2010
Glossário:
(1) Caldeirinho – vaso, no caso pequeno, para tirar água dos poços.
(2) Pa’ – abreviatura de “para” (usadade modo informal e coloquial).
(3) Quebradas – com uma hérnia.
(4) Vergontas – o mesmo que vergônteas: varas tenras, ramos.
(5) Cueiro – pano com que envolvem as crianças de colo, principalmente as pernas e as nádegas.
(6) Pó - abreviatura oral, de uso informal e coloquial, de “para o”.
Na construção deste glossário consultaram-se: http://aulete.uol.com.br;http://www.priberam.pt