nome:
José Manuel
ano nascimento:
1920
freguesia: Brotas
concelho:
Mora                                          
distrito:
Évora
data de recolha: 2007
 
 

Inventário PCI

O Julgamento da açorda

Mora

"O Julgamento da açorda" - Uma vendedeira sem escrúpulos tenta extorquir dinheiro a um cliente caridoso. O caso acaba no tribunal mas a decisão agracia o justo.

José Manuel ; Brotas; Concelho de Mora, Évora

Registo 2007.

Classificado segundo o sistema internacional de Aarne-Thompson:ATU 821 B Pintos nascidos de Ovos Cozidos.

 

Classificação: Paulo Correia (CEAO/ Universidade do Algarve) em Julho de 2007.

Transcrição

O julgamento da açorda

 

Ali ao pé de Pavia havia uma herdade que chamavam a herdade de São Miguel e tinha lá uma igreja que até era a igreja de São Miguel.

Haviam esses homenzinhos que andavam aí, noutro tempo, com uma mula, de monte em monte, a comprar peles de coelho, peles de ovelha, cera... E atão um dia passou lá à porta da igreja e 'tava a igreja aberta. E disse o homem assim:

– Oh! Vou aqui dar volta à igreja, a ver como é que isto 'tá aqui!

O homenzinho entrou, deu a volta à igreja, chegava ao pé de um santo e ia assim:

– Ah! Toma lá dez réis!

Bom, chegava ao pé d' outro:

– Toma lá dez réis!

E atão visitou os santos todos e deu dez réis a cada um. Quando vinha a sair à porta da igreja, 'tava um atrás da porta! E disse ele assim:

– Ah! Ainda aqui estás tu, atrás da porta?! Toma lá também dez réis! – Bom, abalou, foi-se embora.

Chegou além a uma aldeia que chamam a Aldeia da Serra, dormiu lá e mandou fazer uma açorda(7) com meia dúzia de ovos! Bom, comeu a açorda, dormiu... No outro dia, vai procurar contas à mulher lá da venda (que nesse tempo eram vendas na' eram cafés), disse--lhe a mulherzinha assim:

– Olhe, a conta 'tá aqui já feita. Custa tanto...

Uma conta muito grande! E disse-lhe o homem assim:

– Eh, minha senhora! Atão eu agora na' tenho dinheiro pa' lhe pagar! Atão, uma conta tamanha de uma açorda!

Vendeira – Olhe, vossemecê comeu meia dúzia de ovos... Esses ovos, eu deitava-os a uma galinha, tiravam pintos... Essas frangas ó'pois punham mais ovos ... Chegava a pontos que era muito e, atão, tem que fazer a conta a essa coisa toda...

O homenzinho, coitadito, abalou. E disse-lhe ela assim:

– Olhe! Tem prazo de tantos dias pa' pagar! Se ao fim de tantos dias na' pagar, eu vou pò tribunal e vossemecê tem de pagar!

Bom, o homenzinho abalou, coitadito, muito esmorecido, ca mula pela arreata por aí fora, por aí fora...

Um belo dia, faltava já uns dois ou três dias só pra ser a audiência e o homenzinho muito triste lá pa' estrada afora... E vinha um gajo a cavalo num cavalo. Chegou ao pé dele, disse-lhe ele assim:

– Ó tiozinho! Você vai tão triste!

Comerciante – Ora! Deixe-me lá homem! Atão eu... Aconteceu-me isto assim, assim... Mandei fazer uma açorda com meia dúzia de ovos, a mulher puxou-me esta conta assim, assim... Tiravam pintos e coisas!

Cavaleiro – Ai, é?! Atão e quando é que é a sua audiência?

Comerciante – Ah! A minha audiência 'tá em ser depois de amanhã.

Cavaleiro – Na' se incomode que eu é que lá vou ser o seu advogado. Sou eu! – Bom, o homem abalou já mais tranquilo da vida dele.

Bom, no dia da audiência 'tava a mulherzinha dos ovos cozidos, 'tava o Doutor Juiz, estava aquela gente toda... E o gajo nunca mais aparecia! O juiz tinha terminado a audiência pràs dez horas. Eram já dez e um quarto e o advogado na' aparecia!

Bom, daqui a nada, chega o ajudante lá do juiz à janela e disse:

– Olhe! Ó Sr. Doutor Juiz! Já aí vem o homem!

Bom, vinha o gajo a cavalo no cavalo. Entrou (deixou o cavalo lá fora, preso ali a uma árvore), entrou pra dentro do tribunal e disse-lhe o Doutor Juiz assim:

– Atão? O senhor na' sabia que isto que era pàs dez horas?!

Cavaleiro – Ó Sr. Doutor! Desculpe lá, mas eu estive a cozer um molho de favas pa' semear!

E o juiz disse-lhe assim:

– Atão?! Favas cozidas também nascem?!

O advogado disse-lhe assim:

– Atão e ovos cozidos? Também tiram pintos?!

Juiz – Ó minha senhora, olhe, 'tá a audiência acabada!

Pronto! O homem defendeu o outro ali num instante!

 

José Manuel, 87 anos, Brotas, (conc. Mora), Junho 2007.

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
O Julgamento da açorda
1920
José Manuel

Contexto de produção

Contexto territorial

Mora, Casa da Cultura de Mora
Brotas
Mora
Évora
Portugal

Contexto temporal

2007
Hoje sem periodicidade certa. Encontros informais e iniciativas do Município de Mora e escolas

Património associado

Transmitidas aos serões, em quotidianos de trabalho e lazer.

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Contadores de histórias participam em iniciativas do Município de Mora. São convidados para participar na inicativa Palavras Andarilhas. Vão a escolas, lares e bibliotecas. Participam em iniciativas do Fluviário de Mora e da Casa da Cultura. Destacam-se as seguintes actividades desenvolvidas desde 1999:

- Encontro de Contadores e Histórias - 1999 a 2005

- Ti Tóda - Conta-me eum conto, estafeta de contos - 2001 a 2004

- As lendas vão à escola - 2005

- O Talego Culto - 2007

- O Talego ambiental - 2007 a 2008

- Comunidade do Canto do Lume

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Maria de Lurdes Sousa
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL