Inventário PCI

Deus e o Diabo

Montemor-o-Novo

"Deus e o Diabo"- Quadras glosadas em décimas, contando um episódio de competição entre Deus e o Diabo.

Manuel Silva, Ano de nascimento 1936, Montemor-o-Novo, Registo 2012.

Poesia popular

Transcrição

Deus e o Diabo

 

Deus e o Diabo eram amigos

Viveram ambos a par

O Diabo quis ser muito esperto

Sempre se deixou enganar

 

 

O Deus era lavrador

Tinha lavoura absoluta

Como era grande a labuta

Meteu o Diabo por feitor

Esta história tem valor

Fala em diversos artigos

Fala de casos antigos

Mas sem faltar à verdade

Por fim até dizer há-de

Deus e o Diabo eram amigos

 

Isto foi no tempo de Adão

Eu lembro-me perfeitamente

O Diabo andava contente

E estimava bem o patrão

E Deus com satisfação

Por ver tudo no seu lugar

Deixava-o administrar

Conforme o seu entender

Numa vida de prazer

Viveram ambos a par

 

Mas o Diabo muito manhoso

Começou a andar no estudo

Para ver se apanhava tudo

Ao seu amo tão bondoso

Julgando-se astucioso

Já lhe parecia decerto

Que já tinha descoberto

A astúcia para enganar Deus

Os enganos foram seus

E o Diabo quis ser muito esperto

 

Pediu a Deus que lhe desse

Da seara sociedade

E Deus, de boa vontade

A quem lhe pede, fornece

Disse que conta fizesse

Que tudo se ia arranjar

Mas o Diabo em estudar

Com as suas maldições

Escolheu dele as condições

Sempre se deixou enganar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Diz: “Este negócio é de meias,”

O Diabo com a manha fisgada

“Do meio para cima é meu

E com o resto, não tenho nada.”

 

Logo na primeira seara

Combinaram o batatal

O Diabo de modo infernal

Logo esta lhe ficou cara

No dia em que a ceifara

Vendo as bugalhas bem cheias

Pulava-lhe o sangue nas veias

“Que belo negócio que ajustámos!

Conforme o que nós combinámos”

Disse: “Este negócio é de meias.”

 

O Diabo escolheu o produto

Que debaixo da terra ficou

E o [Diabo] só apanhou

O das bugalhas, que triste fruto

Ao sócio disse: “Impoluto

Que desta fiquei sem nada!”

“Para o ano já é trocada

A tua parte é a minha

Escolhi-a como me convinha”

O Diabo com a manha fisgada

 

Resolveram em semear

Uma seara de trigo

O Diabo andou de castigo

Todo o ano a trabalhar

Até o bago se criar

O engano não percebeu

Só quando Deus lhe apareceu

Dizendo: “Ó sócio ingrato

Conforme o nosso contrato

Do meio para cima, é meu.

 

O Diabo ficou a lapir

Com o Deus muito zangado:

“Não torno a ser enganado

Posso-te a ti garantir.

Para o ano que há-de vir

Já percebo da molhada.

Depois dela estar criada

Ouve o que o sócio te diz:

A espiga e a raiz

E com o resto não tenho nada.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Veio o tempo da sementeira

Não havia meio de chover

Dizia o Diabo furioso:

“E o que quer isto dizer?”

 

De Outubro até Fevereiro

Cinco meses foram passados

E Deus sem lhe dar cuidados

Com a terra num sequeiro

Com a semente no celeiro

E o Diabo com a canseira

Aflito de tal maneira

Porque semear não podia

Mas em Março, no primeiro dia

Veio o tempo da sementeira

 

Deitaram à terra a semente

E o Diabo dizia para Deus:

“Têm sido os interesses teus,

Ainda andas de má mente.

De me enganares estás contente

E não te importas de eu perder.

Quando devia de ser

A seara semeada

Estava a lavoura parada

Não havia meio de chover.”

 

“Deixá-lo, que mesmo assim

Ainda pode fluir bem.”

“Bem sei que não te convém

Ser tudo só para mim!”

“Com esta, demos o fim

À sociedade a gozo.

Tu és um ambicioso

Que não és mais, és um canalha.

Por isso este ano só tens palha!”

Dizia o Diabo furioso

 

A seara de dia para dia

Via-se crescer às polegadas

O Diabo mandou fazer enxadas

E ajustou uma ganharia

Vá de cavar com energia

Para melhor seara ter

Mas quando começou a ver

As maçarocas no meio

Dizia com receio: “E o que quer isto dizer?”

 

Informante: Manuel Domingos da Silva

2012/Montemor-o-Novo

 

 

 

 

 

 

 

Caraterização

Identificação

Tradições e expressões orais
Manifestações literárias, orais e escritas
Deus e o Diabo
1936
Manuel Silva

Contexto de produção

Contexto territorial

Montemor-o-Novo
Nossa Senhora da Vila
Montemor-o-Novo
Évora
Portugal

Contexto temporal

2012

Património associado

Contexto de transmissão

Estado da transmissão
ativa
Descrição da transmissão
Agentes de tramissão

Em eventos culturais, excursões e actividades organizadas pela junta de freguesia ou município de Sobral de Monte Agraço

Idioma
Português

Equipa

Transcrição
Ana Sofia Paiva
Registo vídeo / audio
José Barbieri
Entrevista
José Barbieri
Inventário PCI - Memoria Imaterial CRL